O Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes (NCA), do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, lançou recentemente um boletim intitulado “O exercício profissional da/o assistente social em espaços sócio-ocupacionais do sociojurídico no contexto da pandemia e do teletrabalho – contribuições ao debate”. O material foi organizado e orientado pela associada da AASPTJ-SP e coordenadora do NCA, Prof. Dra. Eunice Teresinha Fávero, e produzido por assistentes sociais que participam do grupo como discentes/pesquisadoras/es e como convidadas/os, diante da necessidade iminente de se problematizar os atuais dilemas profissionais e de refletir sobre as mudanças em curso.
A assistente social judiciária e associada da AASPTJ-SP, Alberta Goes, é uma das autoras do artigo “Serviço Social no Judiciário Paulista: primeiras reflexões sobre atribuições profissionais e requisições em tempos de distanciamento social e trabalho remoto”. “A surpresa da medida do distanciamento social nos impôs uma proposta de trabalho e, consequentemente, uma atuação profissional as quais nos vimos, a princípio, sem subsídios e/ou fundamentação para a realização de diversos procedimentos”, afirma.
“Soma-se a isso que, desenvolver as nossas atividades profissionais a partir do ambiente doméstico se mostrou bastante impactante pela falta de privacidade; pelo ônus dos custos do trabalho ter sido depositado sobre os/as trabalhadores/as, aliado ainda à falta de condições objetivas (uso de equipamentos pessoais eletroeletrônicos com potencial para instalação de sistemas operacionais, internet potente, telefonia, etc) e, sem o preparo necessário para a imediata instalação e operacionalização do uso dos recursos tecnológicos, como meio de comunicação com os serviços da rede socioassistencial e com os/as profissionais, usuários/as, entre outros/as”, enumera Alberta Goes, a respeito do contexto em torno do qual o material foi produzido.
Como um dos principais desafios deste momento, ela cita: “a complexidade da atuação profissional do/a assistente social, invariavelmente, se dá por intermédio da interação humana pelo uso de diferentes instrumentais, com destaque para entrevistas, observações in loco, visitas domiciliares, entre outros; realizada em um contexto de trabalho junto ao Tribunal de Justiça que pressupõe avaliações sociais e perícias em conflitos de interesses e violações de direitos; em que, na maioria dos casos, há crianças e adolescentes envolvidos, além de idosos, pessoas com deficiências, mulheres vítimas de violências etc.; os aspectos relacionados a privacidade, ao vínculo e ao sigilo profissional são imperativos para essas avaliações e, na realidade da pandemia, essa complexidade só se adensou”.
Alberta também chama a atenção para o desafio imposto à categoria. De um lado, “muitos profissionais do serviço social (e da psicologia) foram sendo requisitados a manter processo de trabalho similar ao que desenvolviam anteriormente ao trabalho remoto, nem sempre sendo considerada a autonomia profissional e esse novo contexto”. Do outro, “o conjunto CFESS/CRESS se posicionou de modo a flexibilizar o uso das TICs em ações e atividades junto a população usuária dos serviços, no entanto, evidenciou restrições quanto a elaboração de estudo social e pareceres conclusivos, por meio destes recursos”. “A partir da percepção deste tensionamento, dos impasses, dos dilemas éticos e das dificuldades dos/as profissionais em oferecer um posicionamento profissional frente as requisições institucionais, esse debate passou a fazer parte dos nossos encontros no NCA”, completa, enfatizando o cenário desafiador em que foram produzidos os estudos.
As assistentes sociais Bárbara Canela Marques, Lara Caroline Hordones Faria e Luiza Aparecida de Barros assinam o artigo “Serviço Social na Defensoria Pública: apontamentos sobre atribuições profissionais e requisições em tempos de distanciamento social e trabalho remoto”. “Sem dúvidas o estudo do exercício profissional, e escrever a respeito, provoca a dor que conjunturalmente vivemos com essa pandemia. Aliás, antes já desafiávamos a dor do trabalho rotineiro em busca da garantia de direitos frente a exigências burocráticas das políticas públicas, as rasas que ainda sobrevivem”, avaliam elas, compreendendo como o principal desafio “tentar problematizar os pontos inquietantes do teletrabalho nesse momento de maneira ético-técnica e política de maneira que o coletivo das equipes vêm tentando tornear a labuta diária”.
Relevância do material para a categoria
O artigo “Apontamentos sobre atribuições profissionais de assistentes sociais no Ministério Público e requisições em tempos de distanciamento social e trabalho remoto” leva a assinatura das assistentes sociais Yone da Cruz Martins de Campos e Natacha de Oliveira Souza. No texto, elas socializam as ações realizadas no contexto da pandemia, em um cenário que restringiu a “efetivação da atuação profissional dos técnicos do MP ao compelir a uma atuação remota”.
“Esse documento apresenta as atuações dos técnicos com objetivo de contribuir com o debate em torno trabalho remoto no sociociojurídico e respectiva formulação de possíveis estratégias de atuação para o atendimento das demandas decorrentes das vulnerabilidades sociais, intensificadas no contexto da pandemia”, avaliam elas.
“As atuações possíveis foram o acompanhamento através de contatos telefônicos com os Serviços de Acolhimento Institucional e Familiar de para Crianças e Adolescentes, assim como com Centros da Fundação CASA, a fim de conhecer, acolher e, através de relatórios, transmitir essas informações aos promotores de justiça, com o objetivo de embasar e fomentar possíveis atuações do MPSP com vistas à garantia e efetivação de direitos”, exemplificam. “Ainda nestes tempos, os técnicos participaram da construção de diretrizes técnicas concernentes à violência, Infância e Juventude (acolhimento institucional e medidas socioeducativas), saúde mental, idosos, população em situação de rua, rendas alternativas e educação, também com o objetivo de subsidiar a atuação dos promotores”, apontam as autoras.
Para a assistente social Alberta Goes, do TJ-SP, o boletim pode “contribuir para o posicionamento profissional e, na elaboração de documentos escritos que necessitem de manifestações técnicas sobre o que é possível, ou o não, realizar por meio das Tic’s, durante o trabalho remoto”. “Como o documento foi elaborado a partir de diferentes pesquisas e se baseou, principalmente, em materiais atualizados (legislações, resoluções, normativas, noticias, manifestações técnicas, documentos, referências teóricas, etc) circunscritos à realidade pandêmica, ao ambiente institucional e às prerrogativas profissionais, acreditamos que o seu acesso pode permitir ao/a leitor/a ter um conteúdo que o/a auxilie nesse tempo presente e, que colabore para a busca de adensar, sedimentar conhecimentos e reflexões, também futuras”, acredita ela.
De acordo com as assistentes sociais Bárbara Canela Marques, Lara Caroline Hordones Faria e Luiza Aparecida de Barros, que atuam na Defensoria Pública, o material deve “oxigenar os tratos, as inquietações, as problematizações, as articulações e proposituras de trabalho que estamos tentando reinventar para nos aproximarmos da população e da rede pública de serviços e que não se finda nele, mas o fomenta na discussão”.
O efetivo exercício da profissão no pós-pandemia
Nas palavras de Alberta Goes, assistente social do TJ-SP, uma coisa é certa: “no serviço social (como em muitas outras profissões) a interação humana e presencial é fundamental e é imprescindível, especialmente, em avaliações sociais no ambiente judiciário e, particularmente aquelas envolvendo crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, entre outros”.
Entre os possíveis riscos deste cenário, ela destaca que “a celeridade sem o devido aprofundamento e a produção de documentos de modo superficial podem contribuir para a subtração e violação de direitos para aqueles que, de antemão já chegam ao Judiciário com os seus direitos violados e, quiçá, possuem o acesso aos meios tecnológicos e virtuais necessários. Nesse cenário as tecnologias podem aproximar pessoas distantes, mas também podem criar abismos aqueles/as que não têm acesso a elas”.
Para Alberta, “o posicionamento ético político, a análise crítica sobre a realidade e a avaliação para além do que está aparente” serão ainda mais fundamentais no futuro. “Acreditamos que haverá bastante tensionamento por parte da instituição para o cumprimento de determinações judiciais, com celeridade e para resoluções das ações judiciais. Com essa perspectiva é também fundamental apontar que todos/as estão imersos/as na mesma realidade pandêmica, ou seja, juízes/as, promotores/as, assistentes sociais, psicólogos/as, advogados/as, escriturários/as, entre outros. Nessa direção, cada qual deve se posicionar em relação à sua matéria. E, aqui reforçamos que, o/a profissional assistente social deve se autorizar e, ter garantida a sua autonomia profissional para tal posicionamento, inclusive, sobre os procedimentos que são possíveis e os seus limites”, reafirma Alberta Goes.
Inseridas na realidade do Ministério Público, as assistentes sociais Natacha de Oliveira Souza e Yone da Cruz Martins de Campos reconhecem a necessidade de atentar e zelar para que as formas de atuação desenvolvidas neste momento “não se consolidem como uma das estratégias definitivas de atuação profissional, tendo em vista as possibilidades de observação, análise, mediação e proposições, dentre outros aspectos, que a visita, a entrevista, o contato e a interlocução no trabalho cotidiano pode trazer para o cenário e identificar impressões, subsidiar análises, estudos, pareceres e possibilidades de intervenção que apresentam limitações no contato remoto”.
As assistentes sociais Bárbara Canela Marques, Lara Caroline Hordones Faria e Luiza Aparecida de Barros, todas da Defensoria Pública, reconhecem que “algumas particularidades da realidade profissional foram iniciadas no debate e não são acabadas, e se o fossem a profissão poderia, até, deixar de existir, levando em consideração a mutação da vida cotidiana e tecnológica”.
Porém, ao adentrar na seara do projeto ético político da/o assistente social, “há a necessidade de se pautar a discussão de como se poderia caminhar nas diretrizes éticas e técnicas da atuação profissional às/aos usuárias/os, bem como com as exigências do trabalho remoto/teletrabalho, já que há a possibilidade de uso de atendimento por chat ser gravado e a gravação desse atendimento a ser realizado não garantirá o sigilo, tampouco a seguridade da pessoa, pois pode estar com suposto/a agressor/a e podemos colocar mais em risco ainda essa pessoa”, alertam elas.
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