NOTA DE REPÚDIO

A Associação das/os Assistentes Sociais e Psicólogas/os do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – AASPTJ-SP, entidade que há 28 anos congrega profissionais do Serviço Social e da Psicologia que atuam no Sistema de Justiça junto aos quadros do Poder Judiciário de São Paulo, coletivo formado majoritariamente por mulheres e ciente de seu papel democrático na justa reivindicação da garantia de direitos a todos, vem manifestar-se em face de atos judiciais em processos criminais que se tornaram públicos nos últimos dias, externando com veemência seu mais inconformado REPÚDIO às expressões institucionais e estruturais de machismo e violência neles presentes.

Tratam-se de dois episódios relativos à prestação jurisdicional da esfera criminal nos estados de São Paulo e Santa Catarina e que, em comum, reeditam e reafirmam a condição de inferioridade, descrédito, submissão, e menos-valia em que o feminino é colocado, mantendo-o como objeto de controle, prazer, abuso, apropriação e dominação nas estruturas e no funcionamento da sociedade.

No primeiro caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de recurso provido em uma de suas câmaras recursais, reformou sentença condenatória aplicada a um homem que teria abusado sexualmente de sua sobrinha de oito anos de idade, desconfigurando o tipo penal de “estupro de vulnerável” por não ter havido conjunção carnal, limitando o alcance punitivo aos termos da figura da “importunação sexual”.

Quanto ao segundo, veio a público gravação de audiência da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, em que, perante a autoridade judiciária e membro do Ministério Público, a mulher que figurava como vítima era humilhada por advogado de defesa do réu, que classificava fotos da depoente como tendo poses “ginecológicas” e atribuindo-lhe um “nível” inferior. Mesmo após pedir por respeito, a vítima apenas obteve do juiz um tempo para “se recompor, tomar uma água”.

Nós também pedimos respeito. Exigimos.

Não há, no entanto, como simplesmente se “recompor” diante de tamanha violência e exagerada relativização. Violência, porque parece mais que se julga a vítima do que o réu, o que engrossa as mesmas bases materiais e ideológicas do patriarcado como sistema histórico de dominação. E relativização no sentido de que os próprios dispositivos legais são reinterpretados, ora para se diluir a natureza abusiva de uma violência sexual contra criança, ora para sustentar a hipótese de estupro sem dolo por uma suposta atipicidade do caso.

Tais incidentes põem em evidência o duplo padrão assimétrico que, há décadas, denunciamos e trabalhamos, nos casos concretos, no cerne da violência dentro das relações interpessoais, em que crianças são consideradas inferiores a adultos e mulheres são subjugadas por homens.

Nós, assistentes sociais e psicólogas judiciários que atuamos no Tribunal de Justiça de São Paulo, com tarefas afetas a casos de violação de direitos e violências, vemos com indignação e lamento o Sistema de Justiça se tornar um espaço inquisitorial e de desvalorização da palavra da vítima, que repete a mesma lógica mantenedora de desigualdade que, num Estado Democrático de Direito, deveria ser combatida.

Essa é a mesma indignação que compõe a luta, o compromisso, e o trabalho que nos levam a continuar denunciando toda forma de opressão e abuso.

Machismo é injusto e mata. Exigimos respeito.

São Paulo, 04 de novembro de 2020

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